Capela divulga o resultado da escuta sinodal
Em atenção ao pedido do Papa Francisco e de Dom Airton, arcebispo de Mariana, foi realizada a escuta de alguns representantes do mundo universitário em instituições de ensino localizadas na Arquidiocese de Mariana. Esta ação constitui a fase diocesana do Sínodo dos Bispos, a ser concluído em 2003, em Roma. Apresentamos a seguir como se deu o processo de escuta e a síntese das respostas que foram recolhidas.
A ESCUTA NA CAPELANIA DA UFV
Na Capelania da Universidade Federal de Viçosa, a escuta sinodal procurou contemplar representantes da comunidade acadêmica (alunos de graduação e pós-graduação, gestores, professores, técnicos administrativos, colaboradores) e fiéis que frequentam as atividades da Capelania. Foram também incluídos representantes de outras instituições de ensino superior em algumas cidades da Arquidiocese de Mariana. A todos foi disponibilizado um questionário virtual, publicado no site da Capela, com questões baseadas na pergunta geral apresentada no documento preparatório do Sínodo.
Desta forma, a equipe de escuta Sinodal, constituída de sete pessoas, ouviu 62 pessoas, sendo 51 da UFV (82,3%) e 11 (17,7%) de outras instituições de ensino nas seguintes cidades: Barbacena (1), Conselheiro Lafaiete (1), Itabirito (2), Matipó (1), Ouro Branco (1), Ouro Preto (2), Raul Soares (1) e Viçosa (2). Deste total, 56 (90,3%) são pessoas católicas e 6 (9,7%) se identificaram como agnósticos (2), de outra confissão religiosa (3), ou sem religião (1).
Quanto ao perfil acadêmico, 25 (40,3%) são graduandos, 5 (8,0%) são pós-graduandos, 13 (21%) são professores, 13 (21%) são técnicos administrativos e 6 (9,7%) são participantes das celebrações na Capela da UFV.
Em relação à faixa etária, 4 (6,5%) têm até 18 anos, 37 (59,7%) estão entre 19 e 40 anos, 19 (30,6%) estão entre 41 e 60 anos, e 2 (3,2%) têm acima de 60 anos.
Apresentamos a seguir, de forma sintética, o resultado da escuta:
ESPIRITUALIDADE E FORMAÇÃO PESSOAL
Ė consenso entre os participantes da escuta de que a vivência de práticas de espiritualidade ė de suma importância para o desenvolvimento da pessoa humana, principalmente quando leva ao conhecimento da verdade, como ocorre no cristianismo. A espiritualidade ajuda a pessoa a não perder o foco em relação ao sentido da vida, a enfrentar com otimismo e esperança os revezes da existência humana, nos âmbitos da vida acadêmica, familiar e profissional. Isso se torna ainda mais visível no contexto pós-pandemia. Há quem diga que não se pode ser um bom profissional, sem primeiro ser um bom ser humano. E não se pode ser verdadeiramente humano, sem a vivência da fé. A espiritualidade humaniza o ser humano, a partir dos valores morais e religiosos que a pessoa incorpora ao seu dia dia, como humildade, honestidade, sinceridade, senso de justiça, caridade e vários outros.
AÇÃO DA IGREJA NO MUNDO ATUAL
Na avaliação de alguns, a Igreja tem cumprido sua missão evangelizadora, por meio de diversas ações nos campos religioso e social. O carisma do Papa Francisco tem impulsionado a Igreja a ser mais acolhedora, solidária e misericordiosa. Apesar do catolicismo ser o berço da religiosidade no país, erros repudiantes foram cometidos no passado. O Papa Francisco, porém, abre novas perspectivas para o acolhimento dos mais carentes e atitudes concretas de diálogo e respeito ao próximo.
Mas há um longo caminho pela frente, obrigando a Igreja a rever seus métodos e práticas evangelizadoras. É preciso combater divisões internas e preconceitos, o ativismo político travestido de ativismo social, a concepção de igreja “ong”, as pregações elitistas, desmistificar regras e dogmas que não mais atendem aos anseios dos jovens e demais fiéis. A “modernização” da Igreja se daria pela pregação do que é essencial, Cristo e seu Evangelho, pelo acolhimento efetivo dos jovens, pobres e afastados.
Foi citado o afastamento da Igreja de sua missão original de levar a todos a Palavra de Cristo, à medida em que, na história, se tornou instrumento de repressão e julgamentos, estimulando segregação, ódio e preconceitos. Hoje a Igreja deveria dar maior visibilidade a questões como falta de moradia, fome, apoio à comunidade LGBTQIA+, já que faz parte da mensagem de Cristo o cuidado com os mais vulneráveis e o estímulo à solidariedade.
COMUNHÃO E DIÁLOGO COM OUTROS GRUPOS
A Igreja Católica não pode mais pregar apenas para “convertidos”. A missão de cuidar da “casa comum” exige que a Igreja construa pontes em vez de muros. Juntar-se a outros grupos que se mobilizam em favor da justiça e do desenvolvimento integral do ser humano, além de ser gesto de humildade é também exercício de fé e compromisso social. Apesar de não ser atitude comum de todos os católicos e comunidades paroquiais, percebe-se crescente respeito e gesto de acolhimento, empatia e docilidade em relação aos que não professam a fé católica. É louvável o estímulo que o Papa Francisco oferece, por meio de gestos e palavras, incentivando maior aproximação entre raças e crenças, na busca de um mundo mais justo e solidário.
A fraternidade é essencial para que a humanidade se torne mais benevolente. Por isso, ações solidárias são importantes, mas não se pode fugir do debate político sobre a necessária mudança do sistema social. Além disso, a Igreja não deve cair no descuido e tornar-se uma obra filantrópica. No diálogo com outros grupos, ela não pode abrir mão de sua doutrina e tradição nos campos da moral, da vivência dos sacramentos, da pregação do que é essencial para a salvação do ser humano. É preciso salvaguardar a autoridade da Igreja dada por Cristo e sua identidade enquanto educadora e guardiã da verdadeira fé.
Para alguns participantes da escuta, a Igreja é bastante corporativista e ainda vive presa a “velhos dogmas”, distanciando-a ainda mais de grupos não pertencentes a ela. Há organizações religiosas que, por serem mais humildes, dão um “banho” na Igreja católica no que se refere ao trabalho dedicado a comunidades vulneráveis. Preconceitos, desconfiança, restrições religiosas impedem a Igreja de se abrir a outros grupos que se dedicam à construção de um mundo melhor.
IGREJA E MINORIAS
Não faltam pessoas que ainda consideram a Igreja lugar de uma elite privilegiada, enquanto outros afirmam que a Igreja escuta a todos, independente de raça e classe, justificando-se no fato de que ela é constituída, em sua maioria, de populações mais pobres. Alguns enxergam dentro da Igreja alas demasiadamente distantes dos mais pobres e oprimidos, refletindo a necessidade de mudanças estruturais em vista de uma Igreja mais humanizada e próxima do Evangelho. Nesse sentido, as opiniões são bem divergentes.
Há pessoas que acusam a Igreja de dar espaço demais a questões sociais que envolvam os grupos minoritários, alegando que a Igreja não pode se transformar em uma ONG. Em vez disso, sua missão é pregar a Cristo, a existência do pecado, do céu, do inferno, a conversão e a salvação de nossas almas. A única voz que devemos ouvir é a voz de Cristo. A voz das minorias são contaminadas por ideologias políticas, partidárias, contrárias aos mandamentos de Cristo. A conversão, que significa viver o Evangelho, é condição indispensável para que as minorias sejam incluídas na Igreja.
Outros pensam diferente. Reconhecem que a Igreja sabe acolher os carentes no âmbito socioeconômico, principalmente quando são engajados em suas atividades, mas não faz o mesmo com pessoas em situação de rua, desempregados, sem moradia, casais homoafetivos, casais em segunda união. Há ainda muito preconceito, julgamentos, marginalização, atitudes que impedem a Igreja de avançar na direção de maior respeito e acolhimento às minorias.
Há caminhos que pode ajudar: a Igreja deveria ir ao encontro dos que estão afastados, de quem se sente excluído, numa atitude de escuta amorosa; trabalhar com ações comunitárias que possam romper com preconceitos e marginalização; incentivar visitas a hospitais e presídios; formar pessoas e grupos que possam assistir os mais necessitados; aproximar-se de prefeituras e outras organizações sociais para descobrir caminhos no município; investir em cursos profissionalizantes que preparam as pessoas para o mundo do trabalho.
CONCLUSÃO
A atitude de escuta deve fazer parte da vida da Igreja, não apenas em momentos específicos, mas como prática constante e rotineira. Trata-se de uma ação que pode definir um novo modelo de Igreja, mais aberta e acolhedora, mais sensível a questões que nem sempre encontram espaço em nossas organizações e rotina pastoral. É preciso cultivar a cultura do encontro e da escuta, tão sonhada pelo Papa Francisco.
Para que as pessoas falem, opinem, apresentem suas críticas, não basta criar um espaço virtual, um questionário, uma entrevista. É preciso conquistar a confiança, garantir que sua voz não será apenas ouvida, mas valorizada e reconhecida. Nem todos conseguem refletir com profundidade, dizer o que realmente pensam ou sentem, talvez por desconfiança, por não entender a proposta do Sínodo ou por não acreditar que a escuta possa produzir algum fruto.
As opiniões são diversificadas e, por vezes, contraditórias, revelando linhas de reflexão e espiritualidade que nem sempre dialogam dentro da Igreja. A escuta, porém, pode conduzir a uma melhor compreensão do modelo de Igreja comunhão, espaço de partilha e convivência, de fraternidade e solidariedade entre todos.
A escuta também nos permitiu conhecer diversas propostas para a ação da Igreja, especialmente da Capelania da UFV, no âmbito universitário, visando a formação de profissionais cristãos, empenhados na vivência do Evangelho no mundo acadêmico e na vida profissional.
Viçosa, 7 de julho de 2022
Equipe de escuta: Pe. Paulo Nobre (Capelão), Jaqueline Ivo de Souza, Fabiana Alves de Melo, Ana Clara Altoé, Natan Fonseca, Jussara Marins, Carlos Augusto Silva.